O Caminho Faz-se a Andar

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Caminhante, são os teus rastos
o caminho, e nada mais;
Caminhante, não há caminho,
o caminho faz-se a andar”

— Antonio Machado, Campos de Castilla

Há dois tipos de estratégia para resolver problemas de grande complexidade como os que agora se levantam com a forçada transição das escolas para o espaço online: as estratégias lineares e as estratégias em espiral. As estratégias lineares reunem todos dados possíveis, analisam-nos à luz de modelos teóricos, concebem um plano de ataque minucioso, e só então passam à intervenção. As estratégias em espiral, ou de aproximações sucessivas, começam a intervir logo que dispõem de alguns dados relevantes e avançam em ciclos sucessivos de recolha de mais dados e intervenção, até o problema ficar resolvido.

As lineares aplicam-se nas situações onde o grau de incerteza é baixo e a realidade social é previsível, mas são inúteis quando tal não é o caso. As em espiral aplicam-se nas situações onde o grau de incerteza é elevado e a realidade social é complexa, mas são pouco úteis quando não é esse o caso. As lineares são habitualmente usadas nas ciências e nas tecnologias. As em espiral, que condensam a essência do design thinking, estão mais ligadas às epistemologias da prática e ao design. As lineares são robustas e rigorosas. As em espiral, como se expõem ao imprevisto, tendem a ser mais criativas e inovadoras. A abordagem em espiral existe há muito em Educação, onde se destaca, por exemplo, o modelo do Currículo em Espiral proposto por Jerome Bruner.

Nos departamentos universitários familiarizados com a educação a distância, foi possível fazer a transição online recorrendo a estratégias lineares: levantaram-se rapidamente os requisitos e, partindo deles, planeou-se uma intervenção online razoavelmente sustentável. Nos departamentos universitários e nas escolas do ensino básico a secundário não familiarizadas com a educação a distância, o recurso linear é impossível: torna-se imprescindível recorrer a estratégias em espiral.

Esta circunstância não é necessariamente negativa. De facto, ao debilitar a pesada linha de comando que ligava o Ministério da Educação às escolas, a pandemia devolveu aos professores uma iniciativa que há muito lhes tinha sido retirada. Passaram, assim, a poder exercer a sua criatividade, talento e paixão sem terem de se sujeitar a minuciosas diretrizes administrativas vindas “de cima”, que os condicionava e perturbava o seu bom desempenho pedagógico. Deixaram de ser meros executores de ordens, para passarem a ser construtores — designers — dos seus projetos pedagógicos e de escola.

É esse design que está agora nas mãos dos professores e das escolas, transformadas em comunidades de prática e de intervenção pedagógica, autorizadas e incentivadas pelas circunstâncias a construirem o seu próprio caminho. Quererão os professores e as escolas construir esse caminho, que, como no poema de Antonio Machado, se faz andando? No meu próximo texto abordarei alguns dos desafios desse percurso.

(A foto é do autor)

Nota – Este texto foi publicado originalmente no blog da Comunidade Aberta e Inclusiva de Apoio à Transição para a Educação Online em 7 de Abril de 2020.

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