Educação: A Tempestade Perfeita da Rentrée

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Nunca ninguém tinha pensado que a proximidade física pudesse ser tão importante. Do ponto de vista afectivo, compreende-se que sim. Mas ninguém adivinharia que a nossa forma de viver em sociedade pudesse ser tão seriamente perturbada por um pequeno acréscimo de distância. Na educação, e em particular na educação superior, esse pequeno acréscimo poderá vir a gerar uma tempestade perfeita na rentrée.

Na educação básica e secundária, o Ministro da Educação já deu o tom ao anunciar que o próximo ano letivo será uma conjugação de ensino a distância com ensino presencial. Gostemos ou não da solução, percebe-se que não há alternativa. O arranque das aulas dos 11° e 12° anos demonstrou à exaustão a dificuldade de conciliar os espaços físicos das escolas com a distância social, mesmo quando os alunos e as disciplinas são poucos. 

Já na educação superior portuguesa, ninguém parece preocupado: nem o governo, nem as universidades. A Universidade de Cambridge, que ocupa o topo dos rankings mundiais, anunciou que irá manter as suas aulas teóricas em regime online por mais um ano. Está a tomar também outras medidas que transformarão radicalmente o funcionamento do seu campus. Por cá, tudo parece tranquilo, na aparente convicção de que “vamos todos ficar bem”.

O grande desafio que se coloca à educação superior em Portugal não é só o de reinventar o funcionamento dos seus campus, nem o de pôr em prática, até setembro, uma solução mista, presencial e a distância, com uma dimensão online que tenha qualidade profissional. O grande desafio é o de corresponder — ou não corresponder, por falta de comparência — a um dos maiores desafios que alguma vez se colocou à educação superior em Portugal: dar ocupação às dezenas de milhares de licenciados que fluirão para o mercado de trabalho entre julho e setembro.

Segundo a Pordata, este número era da ordem dos 82000 em 2018, incluindo ensino universitário e politécnico. Com o desemprego a aumentar a olhos vistos e a escassez de emprego prevista para os próximos meses, um súbito fluxo de milhares de potenciais jovens ‘nem-nem’ representa um problema social grave, que a emigração não irá resolver desta vez, visto que a escassez de emprego é idêntica nos outros países.

Com estas dezenas de milhares de licenciados a acorrerem a um mercado de trabalho que não existe, uma das poucas formas sensatas de os ocupar e valorizar é em mestrados e cursos avançados, mistos ou a distância, que os acolha sem que (por razões financeiras e sanitárias) tenham de sair das suas cidades. Quais serão as universidades portuguesas capazes de fazer face a este desafio? Será o governo capaz de incentivar e acolher esta mudança relâmpago? Será a agência de acreditação capaz de montar, num curtíssimo espaço de tempo, o processo de aprovação dos cursos necessários?

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2 Responses to Educação: A Tempestade Perfeita da Rentrée

  1. Helena Moura diz:

    Excelentes pistas! Acima de tudo focado nas soluções e não no problema. Prosseguir a utopia por entre as distopias. Assim acontece a transformação.

  2. Vamos todos reflectir (políticos, reitores, professores, discípulos, gente que pensa e que colabora …)
    ” … O grande desafio que se coloca à educação superior em Portugal não é só o de reinventar o funcionamento dos seus campus, nem o de pôr em prática, até setembro, uma solução mista, presencial e a distância, com uma dimensão online que tenha qualidade profissional. O grande desafio é o de corresponder — ou não corresponder, por falta de comparência — a um dos maiores desafios que alguma vez se colocou à educação superior em Portugal: dar ocupação às dezenas de milhares de licenciados que fluirão para o mercado de trabalho entre julho e setembro. … “

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