Este debate, que coordenei e moderei na Universidade Aberta no âmbito do ciclo de conferências “O Presente e o Futuro da Educação a Distância e eLearning”, teve como oradores Fernando Ramos, professor catedrático do Departamento de Comunicação e Arte da Universidade de Aveiro (DeCA), e João Filipe de Matos, professor catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa (IEUL).
Tratando-se de uma conferência sobre inovação, optei por prescindir dos formatos tradicionais, onde os oradores apresentam visões pessoais consolidadas, e preferi uma agitação de ideias projetada para o futuro e inspirada nas dinâmicas da inteligência coletiva. Nesse sentido, propus para discussão um conjunto alargado de questões em aberto, num total de vinte e oito, que os oradores selecionaram e abordaram livremente, especulando sobre possíveis futuros, que a audiência foi convidada a discutir. A descrição do modelo e a lista completa das questões está disponível aqui. O vídeo da sessão está disponivel a seguir:
A primeira questão discutida foi a da pertinência de os docentes de Ensino a Distância e eLearning (EADeL) se dedicarem, ou não, à investigação em educação a distância e elearning para além das áreas disciplinares que sustentam a sua docência. João Filipe de Matos defendeu que cada docente deveria dedicar-se em exclusivo à sua área disciplinar, por não ser possível produzir investigação de qualidade em mais do que um domínio. Reconhecendo o dever de cada professor refletir atentamente sobre a sua prática docente, defendeu, no entanto, que deveria receber formação básica para EADeL, quer autonomamente, quer em iniciativas específicas, incluindo da própria universidade. Além disso, deveria lecionar no quadro de uma equipa multidisciplinar que incluisse elementos dedicados às questões científicas, técnicas e de comunicação da EADeL. Fernando Ramos concordou que a EADeL é um campo muito rico para a intervenção interdisciplinar, referindo a propósito um artigo recente, Trends in distance education research, que analisa os principais temas de investigação surgidos em publicações de referência. Comentou, a propósito, que, apesar da pertinência desses temas, que figuram há longos anos nas listas de preferências, a persistência quase exclusiva na sua adoção se revela conservadora e pouco ambiciosa.
Da audiência, Leonel Morgado contrapôs que a secundarização da prática didática relativamente à investigação tem contribuído para que o tempo de aula seja hoje o tempo menos valorizado no ensino superior. Defendeu que a prática didática deveria processar-se em ambiente de investigação e que o tempo letivo de cada docente deveria ser encarado, no mínimo, como uma oportunidade de investigação etnográfica, um caso de estudo, que o próprio docente, ou outros, pudessem explorar. No mesmo sentido se pronunciou Edméa Santos, que lamentou que existisse no ensino superior uma tradição em que “quanto mais se investiga mais longe se fica da aula”. Defendeu a necessidade de se investigar no contexto da prática, transformando essa prática quotidianamente, e de conciliar a tensão entre investigação e docência numa perspetiva de investigação como ação e de formação como investigação.
O reitor da Universidade Aberta defendeu que, nos cenários de investigação em ensino e educação a distância e em rede, a investigação, embora devendo contemplar áreas fundamentais, tem de atender às práticas. Na sua perspetiva, a importância das práticas docentes em EADeL exige um meio termo que permita ao cientista afirmar-se entre os seus pares mas também dominar as práticas que lhe assegurem bom desempenho docente. O docente deverá, assim, ter um olhar crítico sobre a sua prática, para além de investigar nas áreas científicas em que leciona, e ter capacidade para alimentar o sistema e contribuir para o transformar numa ecologia e numa dinâmica de futuro.
Ainda no âmbito desta questão, e dando sequência ao seu comentário sobre a pouca ambição das agendas de investigação em EADeL, Fernando Ramos apresentou exemplos de algumas áreas a ter em conta no futuro: modelos de análise de necessidades em educação a distância, uma área a explorar em contextos de interdisciplinaridade; estratégias para acolher a diversidade (cultural, linguística, de fusos horários, de género, de background científico, de estilos de aprendizagem), uma área igualmente interdisciplinar; modelos de análise e metodologias para o reconhecimento de competências prévias; sistemas de garantia de qualidade em tempo real; simulação, realidade aumentada e realidade virtual; educação e formação sensível ao contexto; ferramentas de investigação e novas formas de apresentação de resultados.
A segunda questão abordada foi a da clarificação do potencial inovador dos modelos sociais de aprendizagem. Quanto a estes, Fernando Ramos fez notar que a principal inovação, que foi também a maior mudança a que assistimos na última década, em especial no contexto português, foi a alteração radical das relações de poder entre professores e estudantes. Por sua vez, João Filipe de Matos apontou o potencial do conceito de cenário de aprendizagem, apesar da dificuldade da sua exploração em EADeL. Via Internet, Maria João pediu clarificação sobre a diferença entre cenários de aprendizagem e contextos de aprendizagem. João Filipe de Matos esclareceu que, no seu entendimento, a principal diferença está na intencionalidade e definição sistemática dos cenários, que pode não existir nos contextos de aprendizagem.
A terceira questão procurou conhecer que inovações seriam possíveis no uso do discurso do vídeo em educação e na combinação desse discurso com os restantes. Dias de Figueiredo comentou que o discurso do vídeo é, em muitos casos, a mera transposição da aula magistral medieval para uma nova tecnologia: tem-se, na mesma, uma audiência passiva a escutar um orador que apresenta algo que estudou. Na maioria dos casos, o discurso do vídeo continua por explorar nas suas potencialidades e não estão resolvidos muitos dos seus problemas, como os da conciliação com outros tipos de discurso ou os da indexação e pesquisa de vídeos. João Filipe de Matos descreveu a sua experiência positiva na frequência de um MOOC onde os vídeos eram usados para ilustrar episódios reais e simulações que serviam de base de discussão. Da audiência, surgiram comentários sobre os recursos exigidos para produzir vídeos, dificilmente ao alcance dos docentes, o efeito de moda associado ao recurso a vídeos e as múltiplas dimensões culturais do uso do vídeo. Sandra Correia, via Internet, comentou que o vídeo pode ser usado de muitas formas, distintas das tradicionais, e testemunhou que o vídeo é muito bem aceite pelos estudantes como forma de comunicação com o professor. Ainda em torno do discurso do vídeo e do audiovisual, Fernando Ramos recordou que, apesar de temos cinco sentidos, só dominamos as tecnologias de dois deles, o áudio e o vídeo, e desafiou a audiência a imaginar o que não seria se pudéssemos usar o tato, o gosto e o olfato.
A questão seguinte indagou sobre a relevância da EADeL para o mercado não universitário (empresas, cidadão comum), bem como sobre potenciais mercados e inovações possíveis e desejáveis na atitude das universidades e na apresentação do seu “produto”. O reitor da Universidade Aberta esclareceu que a sua universidade está a reforçar muito a interação com a sociedade e a intervenção nas práticas das organizações e na comunidade, de forma fina. Nesta perspetiva, considera fundamental a inovação, tanto no plano da narrativa como no plano da pedagogia.
Em ligação com esta problemática, Fernando Ramos levantou a questão do desinteresse das instituições de ensino superior quanto à formação não-científica dos seus docentes, isto é, quanto à qualificação dos docentes para a docência, quer presencial, quer em blended-learning, quer a distância. Comentou tratar-se de uma desresponsabilização inaceitável e que não há nenhuma organização com dimensão idêntica à das universidades que possa correr o risco de não qualificar os seus quadros para a atividade que lhes compete ao serviço da organização. Em sintonia com esta questão, Rosário, via Internet, perguntou que políticas, prática e procedimentos estão as universidades, em particular as portuguesas, a pôr em prática para promover a criatividade dos docentes e dos seus cursos. O reitor da Universidade Aberta referiu o envolvimento da sua universidade na formação de professores a distância e comentou que quando a Universidade Aberta transitou para o digital fez uma formação interna muito intensa, com intervenção total da comunidade, inteiramente assumida pela universidade e que levou à mudança de práticas, de pensamento e da própria cultura da instituição. Acrescentou que na Universidade Aberta o princípio da formação é reconhecido e que esse princípio ficou como recomendação para o decreto-lei que está em elaboração.
A questão abordada de seguida interrogava sobre que visão para uma unidade de investigação ideal em EADeL, que cenários de ligação entre essa unidade e a realidade universitária, que cenários de ligação à realidade empresarial, que benefícios inovadores para cada uma das partes e que orgânicas e dinâmicas inovadoras para reforçar essa ligação. O reitor da Universidade Aberta exprimiu a sua opinião de que a unidade de investigação ideal deverá ser pensada como uma rede de atores, com polos, temas, linhas e grupos interligados pelo trabalho na rede e construindo um sentido coletivo. Poder-se-ão realizar trabalhos muito específicos, mas esses trabalhos estarão constantemente em rede. Só assim se conseguirá a necessária escala.
Fernando Ramos acrescentou que o grande desafio será passar do “online learning” para o “onlife learning”, uma mudança paradigmática que está em curso de forma irreversível. Cada vez faz mais sentido ter soluções de educação e educação a distância que estejam integradas e bem articuladas com a vida real e os problemas reais das pessoas, das instituições, das empresas, do ecossistema. Recomendou, a propósito, a leitura do Onlife Manifesto, uma iniciativa europeia liderada por Luciano Floridi, professor da Universidade de Oxford, autor de extensa obra sobre a filosofia da informação. Acrescentou que o Onlife Manifesto foi posteriormente expandido, comentado e transformado em livro, disponível online, com repercussão direta na mudança de paradigma que a educação a distância vai conhecer a prazo.
Apoiando o ideal de investigação em rede proposto pelo reitor, João Filipe de Matos defendeu que a robustez da investigação só é possível em rede porque o país é pequeno e só assim se conseguirá a necessária massa crítica. Defendeu ainda que, se a lógica da nossa discussão pretende projetar-se para o futuro, a dez ou quinze anos, é indispensável pensar todas as envolventes do sistema, incluindo financiamentos, recursos e energias. Acrescentou a sua convicção da importância de uma agenda de investigação bem formulada que nos diga para onde vamos e onde é que é preciso investir. Se não projetarmos a nossa investigação claramente para o futuro, concluiu, estaremos condenados a investigar estritamente o presente.
Certo de que este debate, associado às questões que coloquei no último ‘post’, proporciona uma interessante fonte de inspiração, fico a aguardar as contribuições que queiram oferecer-nos para que ele tenha continuidade.