Reproduzo aqui o contexto enquadrador da conferência “Inovação na Educação a Distância e eLearning” realizada na Universidade Aberta em 12 de Maio de 2015, no âmbito do ciclo de conferências “O Presente e o Futuro da Educação a Distância e eLearning”. Este “post” é também um desafio dirigido a todos quantos se interessam pela inovação em eLearning, na expectativa de que contribuam com as suas ideias para a continuidade do debate. Embora reconheça que algumas das questões que coloco são de difícil resposta, uma dificuldade de que só damos conta quando tentamos responder-lhes, ficaria muito feliz se o espaço de comentários deste “post” se transformasse, ao longo dos próximos tempos, num grande debate sobre o tema.
A primeira sessão deste ciclo de conferências, que se realizou há um mês, acentuou as necessidades institucionais de auto-reflexão e abertura ao exterior e a natureza geo-estratégica da Educação a Distância e eLearning (EADeL). Nesta segunda sessão vamos abordar a inovação: inovação nos modelos, práticas e pedagogias da EADeL, mas também inovação nas dinâmicas institucionais e científicas que as enquadram.
Sendo este debate dedicado à inovação – um tópico, por natureza, sempre inacabado – iremos afastar-nos do formato das conferências tradicionais, onde os oradores apresentam ideias consolidadas. Optaremos, em alternativa, por uma agitação de ideias projetada para o futuro, na qual os oradores se debruçem sobre questões em aberto, especulando sobre possíveis futuros, que a audiência, aqui entendida como participante pleno e ativo, é convidada a partilhar.
Proponho que consideremos a inovação assente em duas práticas primordiais – a desconstrução e a problematização – visto que sem elas não é possível inovar. A desconstrução é um conceito da análise crítica literária, proposto pelo filósofo Jacques Derrida e hoje alargado à linguagem corrente, que o entende como prática intelectual: desconstruir é pôr em causa as ideias instaladas, para que se possa decidir se a validade dessas ideias se mantém, ou se, pelo contrário, devem ser renovadas. A desconstrução contém o embrião do futuro, visto que, na ausência de reflexão crítica sobre as ideias instaladas, o futuro será igual ao passado. A problematização é um conceito proposto pelo sociólogo Michel Callon para descrever uma prática intelectual e social que consiste em reconhecer coletivamente a existência de um problema e empenhar ativamente na sua resolução todos quantos possam contribuir para ela.
O que proponho que façamos, nesta aventura partilhada de clarificar o potencial inovador da Educação a Distância e eLearning, é, assim: por um lado, pôr em causa o que é correntemente praticado; por outro, refletir sobre um conjunto de problemas que desafiem ideias que tínhamos por evidentes, nos obriguem pensar, nos alarguem horizontes, nos incitem a romper com o convencional e nos ajudem a construir o futuro.
Interrogando-se, numa das suas obras, sobre a natureza da Ciência, o filósofo Ortega y Gasset lamentava o hábito que hoje existe de se olharem as ciências como meros repositórios de soluções. Segundo ele, o que é mais valioso numa ciência não são as soluções, mas os problemas – o “tesouro de problemas”, como lhe chamava – que a ciência oferece a quem queira cultivá-la.
Seguindo esta inspiração, o que proponho hoje não são soluções, mas sim um conjunto de problemas: vinte e oito, ao todo. O objetivo não é abordar estes problemas pela ordem em que arbitrariamente os coloquei: começaremos por aqueles a que os nossos ilustres oradores derem preferência, generalizando depois o debate à audiência. Prosseguiremos, então, para os restantes problemas, em função do fluir do debate. Não está excluída, bem entendido, a hipótese de irem emergindo novos problemas, que despontem da natureza adaptativa do contexto. Estou certo de que necessitaríamos de vários dias para debater em profundidade estes problemas e estou certo, também, de que se conseguirmos responder a, pelo menos, alguns deles, teremos dado um passo importante no sentido de clarificar e construir o futuro.
Os problemas, que proponho sob a forma de questões, são os seguintes:
Inovações recentes e futuras
- Que inovações recentes em EADeL? Inovações em quê: nos modelos do negócio, nos modelos pedagógicos, no uso das tecnologias …?
- Em Portugal houve inovações ou adaptámos inovações estrangeiras? Quais delas foram disruptivas? Quais se limitaram a acrescentar a experiências alheias? Quais foram experiências pontuais?
- Que impactos tiveram? (Exs.: atração de novos alunos, taxa de aproveitamento, satisfação dos alunos, rentabilidade, economia, imagem da instituição, …)
- Que novas inovações se perspectivam a prazo? Quais poderão ser incrementais? Quais poderão ser disruptivas?
Contexto português
- Que obstáculos à inovação em EADeL (falta de estratégia institucional, falta de modelos educativos, falta de liberdade experimental, conservadorismo dos docentes, conservadorismo dos estudantes)? Outros obstáculos? Que medidas para os superar?
- No contexto universitário, que grau de acolhimento tem sido dado às inovações alheias? E no contexto empresarial? Que condições para melhorar esse acolhimento?
- Que relevância da EADeL para o mercado não universitário (empresas, cidadão comum)? Que potenciais mercados? Que inovações possíveis? Que alterações desejáveis na atitude das universidades e na apresentação do seu “produto”?
- Que inovações no fornecimento regular de e-learning pelas universidades às empresas? Que obstáculos? Que iniciativas de parte-a-parte?
- Que categorias inovadoras de atores a empenhar na oferta de EADeL? Os tradicionais (professores, assistentes, etc.), ou outros? Com que orgânicas organizacionais inovadoras?
Investigação
- Qual a importância da investigação em EADeL? Deverão os docentes investigar em EADeL (nas pedagogias e didáticas das disciplinas que leccionam) para além (ou em vez de) investigarem nas suas áreas científicas? Que contributos inovadores tem tido a investigação em EADeL em Portugal?
- Que visão para uma unidade de investigação ideal em EADeL? Que cenários de ligação entre essa unidade e a realidade universitária? Que cenários de ligação à realidade empresarial? Que benefícios inovadores para cada uma das partes? Que orgânicas e dinâmicas inovadoras para reforçar essa ligação?
Pedagogia
- Que dinâmicas inovadoras nas pedagogias e didáticas de EADeL? (ex.: co-gestão, co-aprendizagem, co-avaliação)? Deverão ser assumidas estrategicamente pela instituição? Ou deixadas à iniciativa dos docentes?
- Que potencial inovador para os modelos sociais de aprendizagem (redes sociais, comunidades)?
- Que formas inovadoras de reforçar a maturidade dos estudantes (autoeficácia, autoregulação, criatividade, disciplina, sentido do colectivo) para a aprendizagem online?
- O discurso do vídeo está a tornar-se central na EADeL mas é muito rudimentar (cabeças falantes e slides animados). Que pistas para a inovação nas tecnologias e discursos do vídeo e para a sua eficiência e eficácia? Como combiná-lo com os restantes discursos?
- Que soluções inovadoras para a prática laboratorial online? E para o uso de simulações?
- Que inovações nos critérios de avaliação da escalabilidade das práticas pedagógicas (incluindo nas práticas de avaliação)?
- Que inovações podem ser exploradas na avaliação dos alunos e na certificação de competências? Que instrumentos (rubricas, etc.)? Que contextos (projetos individuais e coletivos, mundos virtuais, jogos, etc.)? Que atores e dinâmicas (revisão pelos pares, debates, etc.)?
- Algumas técnicas há muito praticadas em contextos restritos, como o flipped-learning, têm vindo a ser generalizadas para a EADeL. Que potencial inovador poderão oferecer essas técnicas? Exemplos?
Estratégia, qualidade e imagem
- Onde é que, numa instituição prestadora de EADeL, devem estar localizadas a estratégia, a qualidade e a imagem? Com que órgãos, atores e práticas institucionais?
- Que papéis pode a língua nacional desempenhar nas estratégias de uma universidade dedicada à EADeL?
- Que cenários estratégicos para a operacionalização de uma parceria entre uma universidade nova dedicada à EADeL e uma universidade clássica com centenas de anos?
- Que inovações na *gestão* da qualidade da EADeL numa instituição de EADeL (para além das práticas de *avaliação* da qualidade definidas pela A3ES)?
- Que inovações são possíveis em matéria de imagem de marca (“branding”), posicionamento no mercado e oferta de EADeL?
- Que inovações na identificação das necessidades do mercado?
Tecnologias
- Que potencial inovador oferecem os MOOCs para a EADeL? Como alternativas às abordagens vigentes? Como soluções complementares? Como espaços de experimentação? Com que motivações poderiam ser adoptados (necessidade pedagógica, mudança da imagem da universidade, atração de novos alunos)?
- Que potencial inovador oferecem as abordagens e ferramentas analíticas para o desenvolvimento da EADeL e das respectivas pedagogias?
- Que inovações se perspetivam nas plataformas de EADeL e nas dinâmicas do respetivo uso?
Fico a aguardar com expectativa as respostas e contribuições que queiram fazer neste espaço. Estou certo de que existem, neste nosso grande mundo de língua portuguesa, excelentes ideias sobre inovação em eLearning às quais só falta um espaço partilhado para que sejam debatidas em profundidade, algo difícil de conseguir, em aberto, nas redes sociais. Pela minha parte, procurarei corresponder, comentando as contribuições que forem feitas. Se o debate se alargar, procurarei mais tarde fazer um post de síntese sobre os nossos progressos. Embora este seja um espaço moderado, procurarei consultá-lo com frequência para publicar sem demora as contribuições que forem chegando.
Vou responder ao 1º tema:Inovações recentes e futuras
Que inovações recentes em EADeL? Inovações em quê: nos modelos do negócio, nos modelos pedagógicos, no uso das tecnologias …?
Curso on-line para auxiliar jovens do ensino secundário e público em geral na exploração vocaconal, exploração de cursos do ensino superior… para proporcionar uma boa tomada de decisão e transição equlibrada.
Obrigado Filomena! Estava à espera de que os outros visitantes deste post comentassem o seu comentário, mas como este é o primeiro, vou comentar já – é muito mais interessante e útil quando os participantes se comentam uns aos outros e o “moderador” se mantém em “background”, porque a “criatividade coletiva” é favorecida quando o número de interações é elevado. O seu comentário é interessante porque nos leva a outra questão, que cheguei a ter na lista, mas que depois retirei, por ser demasiado técnica: “Quando é que se tem uma inovação? Que critérios utilizar para distinguir uma inovação de uma ideia exploratória em EADeL?” Como sabe, só há inovação quando a ideia exploratória que lhe dá origem resulta numa apropriação social e cultural alargada e sustentada. Por outras palavras, quem decide se há uma inovação não é quem tenta criá-la, mas sim o meio social a quem ela se dirige. A taxa de mortalidade quando se parte de uma boa ideia exploratória e se chega a uma inovação genuína é elevadíssima. Há tempos li que, para um meio específico, de natureza tecnológica, que não a educação, essa taxa de mortalidade era de 99,8 %. Na educação e elearning desconfio de que será bem pior! 🙁
Não sei se são inovações, pois não sei o suficiente sobre o assunto mas para mim o que foi claramente mais importante foi:
1] a alteração do modelo pedagógico. Apercebi-me de que online e à distância se podem fazer mais coisas, tornar o grupo (turma, curso) mais coeso, ficando a conhecer a posição e o estilo de cada um dos participantes. Este aspeto no ensino presencial é absolutamente impossível. O nosso aluno presencial está normalmente pouco motivado ou inclinado para fazer perguntas interessantes.
3] a captação de alunos diferentes, que aparecem normalmente com duas características fundamentais: são mais maduros e estão obviamente empenhados, dão o que podem, não sofrem do habitual desinteresse do aluno presencial.
4] conceber iniciativas focadas na aprendizagem fazendo, literalmente fazendo coisas. Por outro lado julgo que se terá de caminhar a curto prazo para iniciativas de fusão, isto é, as escolas dão parte de um curso em presencial e outra parte (do mesmo curso) online e à distância, eventualmente recorrendo a diferentes atores (professores, convidados).
5] O maior obstáculo é a cultura mesquinha e limitativa. Os que não sabem nada do assunto não aceitam e os que sabem umas coisas, acham que isto é muito engraçado. Pegar no problema a sério obrigaria a rupturas significativas e provavelmente ter de mexer em demasiadas coisas, legais, práticas, de conceito. Isto é, teria de ser posto na agenda estratégica como algo a alcançar em xx tempo.
7] Julgo que fusão que já referi entre presencial e EADeL e a ligação ao exercício de fazer pode ser muito poderosa e a exploração desses modelos não deve tardar.
8] Sendo fundamental julgo que ainda não estamos em condições para o fazer. Há o problema dos cursos, do desenho desses cursos, da transversalidade ou especialidade desses cursos, alinhamento entre as escolas e as empresas, tudo isso levanta questões que não são fáceis de resolver pois o tamanho da rede é imenso e o alinhamento difícil.
Obrigada prof. António D. Figueiredo.
A resposta que dei, embora agora me aperceba que não se encaixa nas questões do tema Inovações recentes e futuras , foi no sentido de fornecer apenas um exemplo – de um curso on-line para o futuro em áreas ainda não cobertas pelas universidades – dado que as soluções atuais das universidades de proximidade com o ensino secundário não oferecem esse tipo de auxílios on-line aos jovens do ensino secundário.
Recordo também outros bons exemplos que o professor deu há uns anos atrás, numa das suas apresentações no slideshare, sobre possibilidades de inovações disruptivas em cursos on-line para crianças sobredotadas ou com necessidades especiais, que não sei se já estão em utilização.
Quanto à primeira questão que me coloca no seu post: pela ordem da sua explicação, penso que uma inovação em EADeL só o será depois da ideia exploratória ou da hipótese estratégica ser posta à prova e se se vier a transformar, através de um número necessário de ciclos de tentativa erro reflexão, numa teoria válida que sirva para ser aplicada em contextos semelhantes. Relativamente à segunda questão, “Que critérios utilizar para distinguir uma inovação de uma ideia exploratória em EADeL?”, não é fácil para já responder-lhe.
Será que para o exemplo que transmiti, essa transformação, da ideia exploratória em inovação genuína, poderá ser melhor sucedida através de uma boa oferta social, experimental, recompensadora às partes interessadas no seu desenvolvimento, para assim reduzir a taxa de mortalidade existente durante esse percurso?