A propósito da Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra, anozero’17: Curar e Reparar.
A bienal anozero 2017 fechou ontem as suas portas. Se existiam dúvidas de que havia em Coimbra a paixão e o talento para transformar o impossível em possível, as dúvidas deixaram de existir. Curiosamente, a transformação ocorreu na parte da cidade onde consta que aconteceu o milagre das rosas. Que fazer agora? Dizia-nos Torga, um poeta de Coimbra, mas também do mundo, no seu poema Confiança, que “o que é bonito neste mundo, e anima, é que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura”.
A bienal e os seus artistas mostraram a Coimbra o que Coimbra poderia ser, se quisesse. E fizeram-no, não em abstrato, no campo das ideias ou das equações, mas com as mãos, sobre a matéria prima de um imenso edifício para o qual a cidade não tinha destino. Mostraram, num esboço carregado de sentidos, daqueles que só os artistas conseguem imaginar, que é possível curar e reparar grandes coisas. E mostraram que a cura e a reparação podem ser belas e encher a alma.
Que fazer agora? Vamos deixar fechar as portas do convento e esquecê-lo para sempre? Ou vamos aceitar o desafio, prosseguir a cura, repará-lo, restitui-lo à cidade e projetá-lo para o mundo? Seguindo a inspiração de Torga, que aventura vamos sonhar?
O meu sonho era ver o convento transformado numa Cidade Criativa, ou, se quiserem, numa incubadora de indústrias criativas. Um espaço onde artistas, músicos, escritores, atores, cineastas, designers, jornalistas de nova geração e também criadores das áreas tecnológicas se agrupassem e recombinassem, montassem as suas atividades e as tornassem visíveis, sustentáveis e únicas.
Está hoje provado que a criatividade é, acima de tudo, um fenómeno social. Gera-se criatividade onde já fervilha a criatividade. As cidades renascentistas são um bom exemplo. Como seria o mundo, hoje, se não tivessem existido as cidades renascentistas?
Porque não convidar criativos de todo o mundo para se juntarem aos nossos criativos na Cidade Criativa de Santa Clara-a-Nova, uma cidade renascentista do século XXI? Ainda por cima num país e numa urbe com tantos atrativos.
A imensidão do convento oferece espaço para instalar os criativos, com as suas oficinas, estúdios, lojas e negócios, espaço para organizar exposições, feiras e festivais e espaços para acolher renovadamente a Bienal anozero, num convento que renasceu com ela e graças a ela.
Claro que a Cidade Criativa teria de ter uma pequena infraestrutura de organização, gestão, estratégia, imagem e aconselhamento das suas unidades para a sustentabilidade e valorização da sua presença no mercado e no mundo, e esse seria mais um desafio lançado à criatividade coletiva.
Regressemos então ao poema de Torga, agora na sua inteireza: “O que é bonito neste mundo, e anima, é que na vindima de cada sonho fica a cepa a sonhar outra aventura e a doçura que se não prova se transfigura, noutra muito mais nova e muito mais pura”. Poderemos sonhar essa aventura?