Quadratura do Círculo

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Atrasei, a contragosto, a abordagem das questões práticas da transição para o online na esperança de que fossem levantadas entretanto duas indeterminações de monta por parte do Ministério da Educação: a da avaliação final do ano e a do papel a ser desempenhado pela telescola. A verdade é que não seria boa ideia decidir-se como se vai ensinar a distância sem decidir primeiro o que se vai ensinar a distância. Na falta de resposta para estas indeterminações, a minha posição do momento quanto à avaliação do ano letivo é que há duas situações distintas.

Uma situação é a dos alunos para quem existe a necessidade imperiosa de uma classificação, com destaque para os que vão candidatar-se ao ensino superior. Para esses, a aprendizagem deveria acabar já, e o resto do ano letivo seria consagrado à consolidação dos conhecimentos adquiridos até à interrupção das aulas, combinada com a avaliação desses mesmos conhecimentos, da qual resultaria a classificação final.

As questões de equidade ficariam, assim, satisfatoriamente resolvidas, na medida em que a avaliação apenas incidiria nos saberes adquiridos até à interrupção das aulas. Uma vantagem adicional seria que as instituições de ensino superior saberiam de antemão, para todos os alunos, quais as partes dos programas que não tinham sido cumpridas, e estariam em melhores condições para planearem as suas ações de recuperação.

O modelo de educação a distância, estratégias pedagógicas, plataformas, aplicações e equipamentos a adoptar para este caso concentrar-se-iam em exclusivo na consolidação/revisão e respetiva avaliação. A teleescola poderia ter um papel muito importante no reforço desta componente.

A outra situação, quase oposta quanto aos objetivos da ação docente e ao modelo de educação a distância a adoptar, é a dos restantes alunos. Para esses, por razões de equidade, não é possível fazer a avaliação do ano letivo. Havia a possibilidade de fazer para estes o mesmo que para os alunos que vão candidatar-se ao ensino superior, mas essa opção só teria sentido se houvesse uma necessidade imperiosa de os avaliar.

Não sendo esse o caso, afigura-se mais pertinente passar para primeiro plano a aprendizagem e para segundo plano a avaliação. Idealmente, deixar-se-ia cair por completo a avaliação final do ano letivo, concentrando a ação pedagógica na consolidação dos conhecimentos já adquiridos e na aprendizagem dos novos conhecimentos previstos nos programas. A única avaliação a reter seria a avaliação formativa implícita em qualquer processo educativo genuíno.

A eliminação da avaliação final do ano lectivo aliviava muita da ansiedade dos pais. Para os pais que não podem oferecer aos filhos um computador pessoal nem acesso de qualidade à Internet, é hoje motivo de justificada angústia a perspectiva de os filhos poderem perder o ano ou obterem “uma nota má”, só por causa dessa falta. Com esta solução, grande parte das angústias dos pais ficariam dissipadas.

Por todas estas razões, a minha resposta à questão de o que se vai ensinar a distância, neste segundo caso, é que se irão consolidar conhecimentos e ensinar novos saberes, numa ação a distância completamente desacoplada da avaliação do ano letivo, que não deveria ser feita.

Estas minhas reflexões têm implícitas duas convicções que, por serem demasiado controversas, terei de explicar com pormenor em próximas partilhas. Uma é que, neste segundo caso, se deveria aproveitar a ocasião para começar a renovar o conceito de escola, o comportamento dos alunos e a relação cultural dos jovens com a tecnologia. A outra é que não me parece que o computador pessoal seja a solução ideal para a educação a distância de emergência. Mas lá chegaremos!

(A foto é do autor)

Nota – Este texto foi publicado originalmente no blog da Comunidade Aberta e Inclusiva de Apoio à Transição para a Educação Online em 8 de Abril de 2020.

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