Quando Portugal aderiu à Comissão Económica Europeia, em 1986, vi-me subitamente envolvido num turbilhão de reuniões, muitas das quais aconteciam em Bruxelas. Foi assim que ganhei o hábito de vaguear ao fim da tarde pelas estantes da FNAC do City 2, perto da Place Rogier, e de visitar, depois do jantar, um alfarrabista do Boulevard Adolphe Max, com quem às vezes ficava à conversa. A FNAC do City 2 tinha uma particularidade para mim preciosa. Para além dos livros em francês e flamengo, tinha também uma vasta seleção de livros em inglês, cobrindo todas as temáticas — das novelas às ciências ou à gestão, passando pela filosofia e as humanidades. Numa época em que não havia Internet para se saberem as últimas novidades, era um privilégio poder manter-me, desse modo, a par das novidades bibliográficas em francês e inglês. Os anos foram passando, neste agradável ritual das minhas estadias em Bruxelas, até que um dia resolvi mudar de hotel. O novo hotel era noutra zona da cidade, e os meus passeios de fim de tarde, a pé, até à FNAC do City 2 acabaram. Passados uns cinco anos, uma súbita saudade levou-me de novo à Place Rogier e subi, como dantes, a escada rolante que me levava à FNAC. Foi então que fui assaltado por um agudo sentimento de angústia. Os livros tinham desaparecido! À minha frente, nas mesas e estantes, a perder de vista, só se viam caixas de jogos de vídeo, filmes, músicas, software. Era a vitória definitiva do multimedia! Felizmente, estava enganado: penetrando mais fundo na penumbra da livraria, encontrei os livros a que estava habituado, agora arrumados de outra forma. Mas o sentimento ficou. Nos nossos tempos, os jogos de vídeo, filmes, músicas e software estão na Internet, e já quase não se vendem em livrarias, mas como será um mundo onde a visão do fim dos livros de papel, que senti com tanta agudeza naqueles breves segundos, vier a tornar-se realidade?
Foto: Caos, António Dias de Figueiredo (2007).